Aprovada no último dia 26, em segundo turno, pelo Senado, a Proposta de Emenda Constitucional que amplia os direitos dos empregados domésticos (conhecida como “PEC das domésticas”) já gera divergências antes mesmo da sanção presidencial.
A expectativa é que a Proposta de Emenda Constitucional seja sancionada na próxima semana (o texto da PEC foi aprovado por unanimidade nas duas votações do Senado, o que é um forte indício de que não haverá veto presidencial).
Por um lado, as reformas introduzidas pela PEC das domésticas têm sido elogiadas por diversos segmentos no Brasil e no plano internacional. O Tribunal Superior do Trabalho já havia divulgado matéria relacionando a ampliação dos direitos à quebra de um paradigma de discriminação em relação às empregadas domésticas. Já o jornal francês “Le Monde” se referiu à medida como “segunda abolição da escravatura”, em notícia publicada no último dia 29.
Por outro, há o receio de que as modificações possam ter como resultado um incremento na informalização do setor.
Atualmente, a Constituição Federal prevê que os empregados domésticos se equiparam aos demais trabalhadores em relação aos seguintes direitos:
- salário mínimo previsto em lei;
- irredutibilidade do salário (exceto disposição de CCT ou ACT);
- décimo terceiro salário;
- repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
- férias anuais de 30 dias, remuneradas com 1/3 a mais do que o salário normal;
- licença à gestante, de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário;
- licença-paternidade, nos termos fixados em lei; e
- aviso prévio proporcional;
O texto aprovado acrescenta direitos divididos em duas categorias: aqueles que são aplicáveis imediatamente após a promulgação da Emenda Constitucional e aqueles que dependem de regulamentação posterior.
Do rol de direitos que serão acrescentados àqueles anteriores e serão aplicáveis de imediato, destacam-se:
- limitação dos horários de trabalho: jornada não superior a 8 horas diárias, com limite máximo de 44 horas semanais, facultada a compensação / redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva;
- horas extras: remuneração do serviço extraordinário com adicional de, pelo menos, 50%;
- proibição de diferenças de salário decorrentes de sexo, idade, cor, raça ou estado civil;
- proibição de discriminação do salário ou critério de admissão do deficiente;
- proibição de trabalho noturno, perigoso, insalubre a menores de 18 anos;
- proibição de qualquer trabalho a menores de 14 anos;
- redução dos riscos à saúde e segurança do trabalhador;
- reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho;
- garantia de pagamento de salário mínimo para os empregados que recebem valores variáveis;
- proibição da retenção de salários, que se configura como crime;
Entre os direitos que dependem de regulamentação posterior, estão:
- FGTS, cujos depósitos passam a ser obrigatórios;
- seguro-desemprego;
- adicional noturno;
- salário-família;
- seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador;
- assistência gratuita aos filhos ou dependentes menores de seis anos, em creches ou escolas; e
- proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Embora essa regulamentação também dependa de diversos fatores, a intenção, segundo afirmação do Ministro do Trabalho, Manoel Dias, é que ocorra em aproximadamente 60 dias.
No que se refere às mudanças na relação entre empregados e empregadores, as principais dúvidas são precisamente as referentes à manutenção do salário, às medidas de saúde, segurança e higiene do trabalho, ao controle de jornada e ao trabalho noturno.
O acréscimo de direitos a empregados não pode ser justificativa para a redução do salário do trabalhador; por essa razão, a Constituição assegura a proteção do salário e sua irredutibilidade, não sendo permitida a redução de valores para compensar os valores que terão de ser pagos a mais para os trabalhadores.
Embora ainda não esteja exatamente regulamentada a matéria, os empregadores poderão ser instados a adotar medidas de segurança, saúde e higiene do trabalho, a exemplo do fornecimento, orientação e fiscalização quanto ao uso de Equipamentos de Proteção Individual.
O controle de jornada tem gerado discussões, especialmente porque o empregador doméstico comumente não está em sua residência durante o horário de trabalho do empregado, para fiscalizar o cumprimento de jornada; de todo modo, a anotação dos horários em folhas de ponto (que devem representar com fidelidade, minuto a minuto, os horários de trabalho) assinadas pelo empregado pode ser uma solução viável.
Aparentemente, o Ministério do Trabalho não deverá exigir a adoção de meios sofisticados de controle, como é o caso dos REP – Registros Eletrônicos de Ponto; recentemente, o Ministro do Trabalho, Manoel Dias, declarou que os empregadores se ajustarão com facilidade aos novos caminhos da relação de trabalho doméstico.
O caso de empregados que dormem no trabalho também tem despertado discussões; em princípio, o horário de descanso do trabalhador, ainda que durma na residência do empregador, não se constituiria em tempo trabalhado ou à disposição.
No entanto, a permanência do empregado dormindo na residência pode causar a impressão de que o trabalhador é acionado pelo empregador fora dos horários de “expediente normal”, ou até mesmo no descanso, o que pode caracterizar trabalho em prontidão ou tempo à disposição do empregador.
É de fundamental importância que a transição seja acompanhada por orientação de um profissional especializado, para evitar que a adoção de soluções “caseiras” coloque em risco a harmonia na relação patrão-empregado.