A Constituição Federal, promulgada em 1988, estabeleceu diversas disposições com a finalidade de assegurar o tratamento igualitário, sem distinções de raça, cor, etnia e gênero.
Homens e mulheres são iguais perante a lei. Após essa definição, o Direito brasileiro passou a rejeitar diferenças injustificáveis que leis antigas previam, como a necessidade de autorização do marido para a mulher comerciar em nome próprio (legalmente extinta com a edição do Novo Código Civil, em 2002) ou a proibição do trabalho noturno.
A igualdade estabelecida pela Constituição não significa que a lei está autorizada a ignorar as diferenças que realmente existem entre os gêneros. É por esse motivo, por exemplo, que há diferentes limites de peso que podem ser manejados pelos trabalhadores e trabalhadoras.
Há muito, a Justiça vinha considerando inconstitucional a norma da CLT que prevê um intervalo adicional de 15 minutos, entre o término da jornada normal e o início das horas extras, exclusivamente para trabalhadoras.
Assim, a Justiça não conferia eficácia à previsão legal de que, antes de iniciar as horas extras, a trabalhadora tem o direito de descansar 15 minutos (além do intervalo intrajornada regular).
O entendimento que prevalecia era o de que não há diferença para o trabalho extraordinário de empregados e empregadas. Além disso, defendia-se que a criação de distinções como essas poderia desestimular a inserção das mulheres no mercado de trabalho, contrariando, no final das contas, os interesses que a lei pretendia proteger.
Para os defensores dessa tese, que eram a maioria, a Constituição mudou a ideia de que se devesse conceder intervalos distintos — e era isso, em teoria e na prática, o que vinha ocorrendo em relação ao trabalho da mulher.
Decisões recentes do TST sobre o tema reabriram a discussão relativa aos intervalos: será que as diferenças de gênero justificam a concessão de um intervalo diferenciado para mulheres, ou empregados de ambos os sexos chegam ao final da jornada normal em iguais condições de cansaço físico e mental?
Embora as opiniões tendessem à segunda alternativa, as mais recentes decisões sobre o tema revelam uma nova tendência do Poder Judiciário, tendo aumentado o número de precedentes favoráveis à concessão desse intervalo.
Uma decisão recentemente divulgada na seção de notícias do website do Tribunal Superior do Trabalho (leia a matéria completa aqui), julgou recurso em processo movido por uma trabalhadora paranaense, que pretendia o pagamento dos intervalos de 15 minutos não concedidos.
Nesse caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, com sede em Curitiba, havia rejeitado o pedido feito pela reclamante; o argumento é precisamente o de que, a partir do princípio da igualdade referido na Constituição Federal, tornou-se injustificável a norma que previa um intervalo especial adicional para as trabalhadoras.
Segundo o entendimento adotado pela 4ª Turma do Tribunal paranaense, prevalece “a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres“. Acrescentou o Tribunal que “não havendo previsão do referido descanso para o homem, o aludido artigo revela-se discriminatório“.
A decisão reafirma o entendimento de que a “aplicação generalizada” da norma em questão seria um “fator de discriminação, eis que o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação de jornada“.
Em sentido diverso, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, com sede em Brasília, defendeu que a norma do art. 384 da CLT permanece vigente mesmo após a Constituição, não sendo afetada pelo princípio da igualdade.
Além disso, pontuou o Ministro-relator que as diferenças de gênero justificariam a concessão de intervalo de 15 minutos para mulheres, antes da iniciar o trabalho em horas extras. Esse entendimento foi acompanhado pelos demais Ministros da Turma, referindo-se a outros julgados anteriores, também do TST.
Embora a discussão ainda esteja em aberto e ainda que haja forte divergência sobre o tema, as decisões do TST parecem revelar uma tendência Poder Judiciário de, com o tempo, absorver a tese de que o intervalo adicional para mulheres está em conformidade com a Constituição.
Seguindo-se essa linha de raciocínio, conceder o intervalo de 15 minutos para as mulheres não fere o princípio da igualdade. De outro lado, ao não conceder o intervalo de 15 para mulheres, as empresas poderiam estar expostas ao risco de autuações pelo Ministério do Trabalho, além de ter de remunerar, com o adicional de 50%, o período intervalar de 15 minutos, para cada um dos dias em que houve trabalho em horas extras.