Clovis Viveiros Neto*
A relação entre o Brasil e a licença-paternidade pode ser resumida em uma palavra: contradição.
Embora o País tenha sido um dos pioneiros ao regular a falta justificada ao trabalho para o pai em caso de nascimento do filho, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) na década de 1940, a legislação brasileira ainda se encontra aquém do necessário.
A complexidade dessa questão reside no fato de que, apesar de avanços tímidos ao longo dos anos, a licença-paternidade no Brasil continua sem a devida regulamentação, acarretando inúmeros problemas.
No entanto, essa realidade poderá ser mudada em breve, tendo em vista que está tramitando no Congresso Nacional proposta de regulamentação desse direito de forma mais ampla.
O passado
Como mencionado, a primeira regulamentação sobre a ausência justificada ao trabalho para o homem em caso de nascimento do filho remonta à década de 1940, com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Na época, o Brasil foi um dos primeiros a estabelecer, de forma pioneira, a concessão de um dia de folga ao trabalhador pai, em caso de nascimento de filho, garantido pelo artigo 473 da CLT.
Porém, tal previsão não foi pensada para conceder ao pai uma licença para exercer o seu dever de cuidado junto ao filho recém-nascido, até porque não havia uma consciência coletiva sobre a importância da responsabilidade parental, mas visava, sim, possibilitar o cumprimento dos trâmites burocráticos relacionados ao registro do filho, papel que era tradicionalmente incumbido ao homem.
Foi só com a Constituição Federal de 1988 que a licença-paternidade passou a ser expressamente prevista como um direito dos trabalhadores. No entanto, o artigo 7º, inciso XIX, da Constituição, prevê que cabe ao Congresso Nacional definir os detalhes relacionados à sua concessão (quem tem direito, quantos dias e outras questões), mas, paradoxalmente, até hoje, a legislação brasileira ainda carece de uma norma específica para definir os contornos desse direito.
O presente
Embora a Constituição Federal tenha estabelecido que a licença-paternidade seja um direito dos trabalhadores, até o presente momento esse direito não foi regulamentado. Como medida paliativa, o legislador constituinte estabeleceu em caráter provisório que a licença-paternidade será de cinco dias até a devida regulamentação (caso a empresa esteja inscrita no Programa “Empresa Cidadã”, esse afastamento do trabalho poderá ser estendido para 20 dias), o que é considerado por muitos como insuficiente para garantir um período adequado de cuidados ao filho recém-nascido e para promover a paternidade ativa.
Com essa omissão, o Brasil se encontra em um cenário contraditório: por um lado, o país se coloca na vanguarda ao conceder um dia de folga para o pai e posteriormente estabelecer no texto constitucional a obrigação de concessão da licença-paternidade; mas, por outro, não oferece as condições legais necessárias para que esse papel seja efetivamente exercido.
O futuro
O futuro da licença-paternidade no Brasil ainda apresenta desafios significativos, mas a bola está com o Congresso Nacional, que precisa regulamentar a concessão da licença até outubro de 2025. Caso o Congresso se mantenha inerte, a licença-paternidade poderá ser regulamentada pelo Supremo Tribunal Federal.
Recentemente, uma das comissões do Congresso Nacional deu parecer favorável ao Projeto de Lei 3.773/2023, que propõe a ampliação gradual da licença-paternidade para até 75 dias e a criação do “salário-paternidade”. O projeto de lei também prevê proteção contra a demissão sem justa causa durante a licença e outros direitos.
Se aprovado, o PL 3.773/2023 trará mudanças drásticas nas obrigações trabalhistas, afetando diretamente a gestão de recursos humanos, benefícios e finanças das empresas. O PL ainda precisa passar por mais comissões, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), mas é um sinal de que as coisas podem mudar.
Acompanhar as discussões em torno do PL 3.773/2023 e se preparar para as possíveis mudanças é fundamental para evitar surpresas indesejadas no futuro. A hora de agir é agora.
*Clovis Viveiros Neto, advogado do escritório De Paula Machado