*Renan Hurmann Salvioni
Para o trabalhador, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o documento mais importante para a formalização do vínculo empregatício. Em razão da sua obrigatoriedade para a admissão em qualquer emprego, o Legislador estabeleceu normas específicas para seu manuseio, restringindo, ao máximo, a livre disponibilidade ao empregador, conforme artigo 13 da CLT.
Em atenção ao princípio de proteção ao trabalhador, a legislação trabalhista estabelece que a anotação da CTPS deverá ocorrer dentro do prazo de 5 dias úteis, conforme descrito no artigo 29 da CLT. Além disso, determina que o empregado deve ter acesso às informações da sua CTPS no prazo de até 48h a partir de sua anotação, conforme §8º do artigo 29 da CLT, visando evitar abusos ou retenções indevidas que possam prejudicar o trabalhador.
Embora a modernidade caminhe no sentido da digitalização dos documentos, o que já é uma realidade até mesmo com a Carteira de Trabalho Digital, não há como desprezar que muitos trabalhadores nem sequer possuem o documento eletrônico, dispondo apenas do documento físico, ainda. Portanto, o empregador não pode perder de vista a formalidade e o prazo exigido pela lei para a anotação e devolução tempestiva do documento.
Para além das sanções administrativas possíveis em caso de fiscalização, a retenção indevida da CTPS por período superior ao estabelecido no artigo 29 da CLT poderá sujeitar o empregador ao pagamento de danos morais ao empregado cuja CTPS foi retida.
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho possui vasta jurisprudência reconhecendo o dano presumido nos casos em que há retenção indevida da CTPS do trabalhador. Destaque para algumas dessas decisões:
(…) RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. RETENÇÃO DA CTPS ALÉM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 29 DA CLT. DANO IN RE IPSA. I. Esta Corte Superior firmou posicionamento de que a conduta de reter a CTPS da parte reclamante por tempo superior ao que determina o artigo 29 da CLT é ato ilícito apto a ensejar dano moral in re ipsa . II. No caso dos autos, o Tribunal Regional indeferiu o pedido de indenização por dano moral, tendo o acórdão consignado que a parte reclamada reteve a CTPS do trabalhador além do prazo estabelecido no art. 29 da CLT, registrando que “não há prova de que tenha ocorrido algum prejuízo, de modo que não se pode configurar o dano moral somente em decorrência de a empregadora ter deixado de devolver a CTPS do autor assinada”. III. A retenção da CTPS pelo empregador, por prazo superior ao previsto em lei, extrapola os limites de seu direito, atentando contra o princípio da boa-fé objetiva, o que enseja a devida reparação por dano moral ao empregado, nos termos dos artigos 5º, V e X, da Constituição da República. IV. Desse modo, à luz da jurisprudência assente desta Corte Superior, o Tribunal Regional incorreu em violação do art. 5º,V e X, da Constituição da República. Precedentes. V . Assim, dá-se parcial provimento ao recurso de revista da parte reclamante para condenar a parte reclamada ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 3.000,00, ponderando-se a gravidade da conduta do empregador (ofensa leve), os danos sofridos pelo empregado (ofensa a direitos da personalidade) e os valores usualmente estipulados por essa Corte Superior em situações semelhantes. VI. Recurso de revista a que se dá parcial provimento” (RR-10693-65.2015.5.01.0551, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 28/05/2021). (g.n).
RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL – RETENÇÃO DA CTPS.
- A carteira profissional, antes de ser instrumento de prova do contrato de trabalho, serve, igualmente, como um espelho da conduta do empregado, moldando-se como verdadeiro mecanismo de identificação de vida do trabalhador, refletindo toda a vida profissional do empregado. 2. O trabalho, muito mais do que instrumento de promoção das condições financeiras necessárias à sobrevivência, representa para o indivíduo um papel central na estruturação da sua identidade pessoal, sendo um meio de autorrealização, de inclusão social e de reconhecimento individual e coletivo do cidadão na sociedade. 3. Nesse contexto, o procedimento da reclamada, que reteve de forma injustificada a CTPS da reclamante, configura conduta ilícita, que viola os arts. 186 e 927 do Código Civil e restringe o direito constitucional do empregado ao trabalho, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal, acarretando dano à esfera extrapatrimonial do trabalhador, além de configurar ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, disposto no art. 422 do Código Civil, não afastando a ilicitude da conduta da reclamada o fato de o reclamante ter uma segunda CTPS. 4. Ressalte-se que, independentemente da prova de que a autora tenha sofrido prejuízo de ordem material, a devolução da CTPS no prazo previsto no art. 29 da CLT consiste em obrigação do empregador, pois o referido documento expressa toda a vida laboral do trabalhador, sem o qual se encontra impossibilitado do exercício de atividade profissional subordinada e autônoma, fato suficiente para gerar dano moral, em virtude da apreensão sofrida e por não se encontrar na posse do documento, razão pela qual é devida a indenização por danos morais. Precedentes. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. (TST-RRAg: 00201725220135040007, Relator: Margareth Rodrigues Costa, Data de Julgamento: 14/02/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: 17/02/2023)(g.n)
I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 1 – DANO MORAL. RETENÇÃO DA CTPS POR PRAZO SUPERIOR AO PREVISTO EM LEI. DANO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO. R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o extravio ou a retenção da CTPS por lapso temporal superior ao fixado na lei configura ato ilícito passível de ensejar dano moral. No caso dos autos, é incontroverso que a CTPS do reclamante não foi devolvida após findo o prazo previsto no art. 29 da CLT. Dessa forma, ficou configurado o dano moral, o qual deriva da própria natureza do fato, sendo desnecessária a prova do prejuízo moral em si. (…) (RR-113-90.2014.5.12.0005, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 21/02/2020). (g.n)
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RETENÇÃO DE CTPS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. (…) RETENÇÃO DE CTPS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Na jurisprudência desta Corte firmou-se o entendimento de que a retenção da CTPS por prazo superior ao previsto em lei enseja o pagamento de indenização por dano moral, sendo o dano presumível (in re ipsa). Ou seja, a condenação prescinde de prova do efetivo dano experimentado pelo empregado, bastando a demonstração da conduta ilícita praticada pelo empregador, o que efetivamente ocorreu no caso concreto. Recurso de revista conhecido e provido (RR-13052-10. 2015.5.15.0062, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 20/03/2020). (g.n)
Enquanto avançamos para a era digital e testemunhamos a transição gradual da Carteira de Trabalho para formatos digitais, é importante considerar que a versão física deste documento continua a ser um pilar fundamental para a segurança e a formalização das relações de trabalho no Brasil. As decisões do Tribunal Superior do Trabalho demonstram a seriedade com que os casos de retenção indevida são tratados, destacando o dano moral presumido como um mecanismo de proteção ao trabalhador.
Diante disso, é imprescindível que as empresas exerçam máxima diligência no cumprimento das normativas legais vigentes sobre a gestão e devolução da CTPS. A observância dessas diretrizes não apenas evita repercussões legais adversárias, mas também fortalece a relação de confiança e respeito entre colaboradores e empregadores, contribuindo para um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.
*Renan Hurmann Salvioni, advogado do escritório De Paula Machado