*Vitor Prato Dias
O isolamento social impôs uma crescente necessidade de adaptação das atividades empresariais ao regime de Teletrabalho.
O art. 75-A da CLT, incluído pela Reforma Trabalhista de 2017, definiu esta modalidade de prestação de serviços como aquela realizada fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Contudo, a lei pouco explorou peculiaridades específicas do teletrabalho, o que é compreensível diante da reduzida relevância do tema antes do contexto pandêmico.
Mesmo diante de lacunas, cabe ao Direito regular as muitas dúvidas que têm surgido sobre o assunto. Algumas delas pontuais, como a possibilidade de controle da jornada de trabalho e a responsabilidade pelas despesas advindas de atividades prestadas fora das dependências da empresa.
Outras, no entanto, muito mais amplas, tal qual a delimitação de fronteiras entre a intimidade do trabalhador e o poder diretivo do empregador. Afinal, seria possível demarcar os limites da atuação empresarial em um local reservado como o domicílio de seu empregado?
Em que pese a Justiça do Trabalho tenha se desdobrado para fornecer respostas adequadas para todas estas questões, é notório que existe uma crescente judicialização destas matérias. E apenas normas específicas sobre o tema serão suficientes para estabelecer um patamar mínimo de segurança jurídica, para os trabalhadores e para as empresas.
Portugal foi um dos pioneiros na regulação do Teletrabalho. A Lei 83/2021 foi considerada um avanço em muitos pontos, mas igualmente conservadora em outros.
Como regra, o Teletrabalho deve ser ajustado de comum acordo. Em algumas situações, entretanto, o trabalhador português passou a ter o direito de exigir a prestação de serviços nestas condições. Temos, por exemplo, que a empresa não pode se opor a pedidos deste tipo quando solicitados por empregados com filhos de até 8 anos de idade, sempre que suas funções forem compatíveis com o Teletrabalho.
A nova lei também foi expressa em determinar que o empregador é responsável não apenas pela disponibilização dos equipamentos necessários à realização do trabalho, mas também por arcar com o aumento das despesas, como acréscimos na conta de luz ou melhorias em planos de internet.
Entretanto, a realidade tem demonstrado que é muito difícil identificar qual despesa decorre da atividade normal da residência e qual é oriunda do trabalho. E este ponto tem gerado muitas discussões no país: não há clareza na lei sobre a forma pela qual este pagamento deve ser calculado.
Isto fez com que muitas empresas começassem a pagar gratificações em valores fixos, evitando uma apuração individual. Não raramente, em quantias insuficientes para cobertura das despesas adicionais.
Um ponto louvável da nova legislação diz respeito à busca pela preservação da intimidade do trabalhador, com a proibição de contato entre as partes da relação de emprego após o final do expediente. O chamado Direito à Desconexão ganhou extrema relevância no contexto pandêmico, com o aumento de doenças de natureza psicológica agravadas pela rotina do Teletrabalho.
Cada vez mais torna-se difícil a distinção entre o ambiente de descanso e o ambiente de trabalho. Diversos estudos demonstram um aumento no sentimento de culpa por baixa produtividade e maior cobrança interna por desempenho, em que pese o número de horas trabalhadas tenha aumentado. Esta proibição expressa da legislação portuguesa busca, assim, garantir que o trabalhador possa efetivamente usufruir de períodos de folga ao final de sua jornada.
Esta é apenas uma das hipóteses em que o poder diretivo é limitado pela nova lei. Também é proibido que se imponha conexão permanente durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som. Eventuais visitas ao seu domicílio, com o objetivo de coordenar a atividade empresarial, devem ser precedidas de um aviso prévio de 24 horas e da concordância do empregado. Assim, o controle das atividades deve sempre levar em consideração a intimidade do trabalhador e sua privacidade no âmbito residencial.
Por fim, a nova lei se mostra pouco inovadora em matéria de segurança e saúde do trabalho. Ainda que preveja expressamente que o regime legal de reparação dos acidentes e doenças profissionais aplica-se às situações de Teletrabalho, pouco acrescenta a respeito de dúvidas específicas que continuam a surgir nesta seara.
Temos muito a aprender com os erros e os acertos da legislação portuguesa. A matéria ainda será aperfeiçoada em futuras alterações legislativas e suas lacunas preenchidas pela jurisprudência. Qualquer que seja o caminho traçado em terras brasileiras, fica claro que a regulação do Teletrabalho deve ter como norte uma relação de trabalho mais justa e eficiente, buscando robustecer os benefícios para ambos os envolvidos e coibir abusos.
*Vitor Prato Dias, sócio do escritório De Paula Machado, mestrando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade do Porto, em Portugal