Há expectativa da população – especialmente em decorrência da pressão política exercida sobre o Governo Federal – para que seja prorrogado o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que adotou a suspensão dos contratos de emprego e a redução de carga horária e do salário como medidas para o enfrentamento da pandemia ocasionada pela COVID-19.
No entanto, atualmente, o cenário é de ausência de regulamentação capaz de orientar a situação dos empregados que tiveram seus contratos de emprego suspensos ou carga horária e salário reduzidos.
Desde 31 de dezembro de 2020, os empregadores estão lidando com três situações novas e conexas, na gestão de seus empregados que tiveram seus contratos suspensos ou com carga horária e salário reduzidos: I) a estabilidade originada com a suspensão do contrato de emprego ou a redução da jornada e do salário; II) questões de ordem prática envolvendo a rescisão dos contratos dos empregados com “estabilidade” e a gestão do retorno ao trabalho dos empregados que integram o grupo de risco; e III) a ausência de legislação que ampare a situação dos trabalhadores que integram grupo de risco e que foram beneficiados pelo programa do Governo Federal.
O cenário de pandemia e suas consequências nefastas persistem sobre a população, a economia e as instituições estatais.
A novidade, no âmbito das relações justrabalhistas, reside no desamparo normativo para contemplar uma questão que já é conhecida pelos empregadores: a necessidade de gestão dos empregados que tiveram seus contratos suspensos ou com jornada e salário reduzidos, especialmente aqueles que integram o chamado grupo de risco (pessoas com mais de 60 anos de idade; pessoas com doenças crônicas, respiratórias, gestantes etc.).
Sob a ótica empresarial, pairam questionamentos emergenciais, para os quais não há respostas nem na legislação, nem em qualquer das normativas elaboradas pelos órgãos estatais:
Como regra, o empregador pode demitir o empregado que teve seu contrato suspenso ou carga horária e salário reduzidos, em decorrência do Programa de Benefício Emergencial, posto que a garantia prevista em lei é provisória e pode ser substituída, ao interesse do empregador, por indenização compensatória, a ser paga junto com as verbas rescisórias, conforme autoriza o art. 10º, §1º, incisos I, II e III, da Lei 14.020/2020 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda).
Grupo de risco
Contudo, cabe excepcionar, aqui, a situação dos empregados que integram o grupo de risco. Pois, a legislação federal (Lei 9.029/1995) proíbe a ruptura contratual motivada por “sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade”, dentre outros motivos que podem ser considerados discriminatórios. O entendimento dos Tribunais do Trabalho também é no sentido de que a motivação de cunho discriminatório encontra óbice na Constituição da República de 1988, principalmente nos princípios que a norteiam, com destaque para a dignidade da pessoa humana e a não discriminação (isonomia).
Portanto, o debate que tende a tomar corpo, no âmbito do Poder Judiciário, diz respeito à legalidade ou ilegalidade da rescisão contratual dos empregados integrantes do grupo de risco que detêm estabilidade decorrente do programa governamental, cujo núcleo de debate deve se centrar nos limites do poder que o empregador possuir em demitir os empregados.
Se para o empregado que integra o grupo de risco o retorno ao trabalho pode representar um risco de exposição aumentado à COVID-19, para o empregador, o regresso ao labor do empregado pode conduzir à assunção de riscos trabalhistas ainda maiores do que já exigia a complexa atividade empresarial média no Brasil.
Em meio a um sem-número de atos normativos emitidos pelos órgãos públicos durante a pandemia (decretos, portarias, recomendações, notas técnicas), no âmbito da União, dos Estados e Municípios, com destaque, para os atos emitidos pelo Ministério Público do Trabalho e Secretaria do Trabalho, vê-se o empregador, em uma tentativa exaustiva de se adequar a uma realidade jurídica insólita.
Em todas as esferas
Os riscos trabalhistas para o empregador estão presentes em todas as esferas da regulamentação pública. Podem advir de fiscalizações realizadas pelos órgãos de polícia estatal (vigilância sanitária e Secretaria Especial do Trabalho, por exemplo), mediante a aplicação de sanções administrativas (multas pecuniárias, obrigações de fazer e não fazer, dentre outras).
O Ministério Público do Trabalho tem promovido ações administrativas e judiciais com vistas à proteção dos trabalhadores, de fiscalizações até a promoção de ações judiciais (coletivas) contra empregadores. Sem olvidar a atuação dos entes sindicais em ações políticas, administrativas e judiciais na defesa das categorias profissionais.
Portanto, o empregador que solicita o retorno ao trabalho do empregado que integra o grupo de risco assume, de plano, os riscos trabalhistas decorrentes da necessidade de adequação às normas administrativas, para que não sofra sanções por parte dos órgãos da Administração Pública.
O empregador ainda se sujeita à ação do Poder Judiciário que, por intermédio de sua Corte Suprema (STF), já sinalizou entendimento de que o acometimento pela COVID-19 pode vir a ser reconhecido como doença ocupacional.
Em suma, o retorno ao trabalho do empregado que integra o grupo de risco deve levar em conta os riscos trabalhistas acima expostos. Trata-se de decisão, por parte do empregador, que deve ser precedida de parecer do médico do trabalho, com a participação do departamento de segurança laboral.
A análise prévia do regresso ao trabalho é individualizada para que as especificidades/necessidades de cada trabalhador (do grupo de risco) sejam consideradas, de modo a lhe conferir tratamento personalizado, sem perder de vista a adequação entre as condições de trabalho e a proteção à saúde do trabalhador.
O caminho do meio
No contexto normativo exposto, a negociação coletiva se apresenta como recurso disponível, aos empregadores e empregados, para suprir a ausência estatal na elaboração de normas que versem sobre a situação dos empregados.
Ora, a negociação coletiva pode ser utilizada tanto para negociar a “estabilidade” gerada pela suspensão do contrato ou redução da carga horária e salário, no curso do contrato de emprego, quanto pode servir de instrumento para criar uma alternativa ao imediato retorno ao trabalho dos empregados integrantes do grupo de risco. Ela tem o poder de manter os postos de trabalho sem onerar excessivamente o empregador. É o caminho do meio entre o excesso e a falta de regulamentação estatal.
*Thiago Lima, sócio do Escritório De Paula Machado Advogados Associados